quarta-feira, 25 de abril de 2007
LEGALIZAÇÃO DO ABORTO
O "direito à vida" na imprensa
Por Maria Teresa Citeli em 24/4/2007
Quando o médico sanitarista José Gomes Temporão assumiu o Ministério da Saúde, prometeu, já no discurso de posse, transformar o SUS num "orgulho" para o país. Logo depois, declarou-se publicamente a favor do debate sobre a legalização do aborto, citando as 220 mil curetagens que a rede pública de saúde realiza anualmente em mulheres vítimas de abortamentos inseguros. Infelizmente, Temporão recorreu também às estatísticas de um milhão de abortos clandestinos por ano, que têm sido objeto de contestação dos grupos pró-vida e de contestação mesmo no movimento de mulheres [análise detalhada dos dados pode ser encontrada em Corrêa, S., Freitas, A., "Atualizando os dados sobre a interrupção voluntária da gravidez no Brasil". In: Revista de Estudos Feministas, V.5 N. 2/97. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1997; disponível aqui].
Mas foi sua sugestão de convocar um plebiscito – a exemplo daquele realizado em Portugal – que chegou à grande imprensa cercada de polêmica, sobretudo porque acompanhada da aprovação, na Comissão de Constituição de Justiça do Senado, de projeto de lei que prevê a realização de cinco consultas populares sobre outros temas, como a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Toda a argumentação de Temporão a favor do plebiscito foi feita partindo de um discurso de defesa do aborto como uma questão de saúde pública.
O aborto é um tema da pauta do movimento de mulheres a partir do final da década de 1970. Desde o "nosso corpo nos pertence" já houve diversas abordagens para a defesa da sua descriminalização – uma delas, a de que se os homens engravidassem o aborto não seria crime, foi reproduzida pelo ministro da Saúde em sua entrevista ao programa Roda Viva que foi ao ar na TV Cultura na segunda-feira (16/4/). Temporão talvez seja o primeiro homem público a defender um debate sobre aborto de forma tão consistente na política brasileira.
Eles e elas
Na entrevista ao Roda Viva, foi corajoso diante de uma bancada difícil e não se intimidou com a retórica do jornalista Reinaldo Azevedo, da revista Veja, que recorreu aos mesmos argumentos do jurista Ives Gandra Martins na revista Época, cujo blog da semana tem como tema descriminalização do aborto. Os ataques de Gandra à legalização do aborto são velhos conhecidos das mulheres. Tanto para ele quanto para Azevedo, haveria uma distorção se o aborto viesse a ser legalizado, enquanto a lei de proteção ambiental proíbe e considera crime inafiançável a morte de tartarugas ameaçadas de extinção.
Temporão abordou a questão por um aspecto ainda pouco questionável – o da saúde das mulheres. Descriminalizar – ou retirar o véu do cinismo – seria a única forma de impedir que as mulheres continuem morrendo. O abortamento inseguro é a terceira causa de morte materna no país, lembra o ministro, num argumento que também é o do movimento de mulheres.
É bom lembrar que, em final de 2005, quando o anteprojeto de lei que saiu da Comissão Tripartite, foi apresentado no Congresso Nacional pela ministra Nilcéa Freire – que também esteve na mesma "roda-viva" que Temporão enfrentou. Seus interlocutores foram muito menos generosos e respeitosos em relação à sua posição – neste ponto, idêntica à do ministro – de negar-se a declarar sua posição pessoal em relação ao tema, o que naturalmente os desqualificaria como árbitros do debate público. Na entrevista com Temporão, fez-se clara uma questão de gênero: jornalistas homens de um lado, jornalistas mulheres de outro, reproduzindo a mesma dinâmica dos papéis sociais destinados às diferenças sexuais. Eles atuaram contra o ministro e, portanto, contra a legalização, de forma agressiva e arrogante.
"Isso deve ser pecado"
A proposta de plebiscito levantada pelo ministro faz pensar na forma pela qual pode ser promovido o "processo" na sociedade brasileira de modo a fazer o debate avançar, apesar da complexidade da conjuntura nacional, profundamente influenciada pelas forças religiosas e pela dificuldade de propor saídas para o tema diante do cenário social contemporâneo. O direito à vida vem sendo relativizado pelos incessantes avanços científicos que hoje permitem o descarte de embriões nas técnicas de reprodução assistida – o resultado é idêntico ao de um abortamento –, e exige nova configuração do debate sobre a legalização. Por isso, parece urgente qualificar a configuração do debate na imprensa, que tem poucos instrumentos de reflexão sobre os temas da bioética e está sempre arriscada a reproduzir ou argumentos do senso comum ou argumentos apresentados como científicos – mas que escondem dogmas religiosos.
É o que está em questão no STF, depois que o ex-procurador geral da República, Claudio Fonteles, impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra dispositivo da Lei de Biossegurança que prevê o uso destas células em pesquisas. Na sua argumentação, Fonteles afirma que a vida se dá desde a fecundação e recorre exclusivamente a fontes ligadas à Igreja Católica, embora apresentadas como científicas.
Seis dos nove cientistas brasileiros citados são autores de uma obra coletiva patrocinada pela Pastoral Família, da Igreja Católica. São nomes como o da professora Elizabeth Kipman Cerqueira, representante da CNBB, da professora Alice Teixeira Ferreira, que integra o Núcleo de Fé e Cultura da PUC de São Paulo, e do professor Dalton Luiz de Paula Ramos, o qual, além de pertencer ao Núcleo de Fé e Cultura, é correspondente da Pontifícia Academia Pro Vita, entidade criada pelo Vaticano. Entre os estrangeiros estão o francês Jérôme Lejeune e o espanhol Gonzalo Herranz, ambos integrantes da Opus Dei. Todas estas informações foram veiculadas pelo jornalista André Petry em sua coluna na revista Veja ("Isso deve ser pecado", edição de 8/6/2005).
Uma no cravo, outra na ferradura
A ADIN de Fonteles é o sinal mais claro de que os argumentos religiosos cada vez mais buscam embasar-se na ciência, o que levou o STF a convocar um debate no qual a pergunta a ser respondida por um conjunto de especialistas é: "Quando começa a vida?" Reportagens dos jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo dão conta de que o debate foi um confronto ideológico, com os argumentos de natureza científica sendo utilizados por ambos os lados para defender seus pontos de vista. Reportagem da enviada especial da Folha a Brasília, Laura Capriglione, apontou para o caráter religioso do debate, sem no entanto relacioná-lo ao tema do aborto.
O auditório do Supremo poderá funcionar como uma espécie de prévia do debate a ser aberto na sociedade se a proposta de plebiscito seguir adiante: entre os muitos aspectos religiosos, jurídicos, éticos e de saúde em questão, parece razoável supor que a pergunta sobre o início da vida humana e os limites de sua defesa estará definitivamente em pauta. Mas para isso é preciso que a imprensa esteja atenta não apenas às manipulações dos argumentos científicos, tão bem denunciadas por Petry, como também a outros usos que a Igreja Católica tem feito "em defesa da vida".
A imprensa ignorou, por exemplo, que, no livro de autoria do papa lançado no início do mês, o estilo ambíguo adotado para falar de ciência – uma no cravo e outra na ferradura – se mantém. Ratzinger procura se equilibrar na corda bamba, ora demonstrando sua fé na ciência, que "abriu grandes dimensões da razão e trouxe novas percepções", ora rejeitando a teoria darwinista da evolução "porque os laboratórios científicos não conseguem reproduzir as mutações ocorridas nos últimos milênios", tomando ainda o cuidado de se desvincular das idéias criacionistas.
Intransigência antimoderna
Essa ambigüidade não é exclusiva do atual pontífice. Não são poucos os documentos oficiais da Igreja Católica que deixam transparecer sua crença na ciência e e nos cientistas – como aqueles que falam a verdade em nome da natureza. Na epígrafe da encíclica "Fé e razão", de 2003, dirigida ao episcopado católico pelo papa João Paulo II, pode-se ler:
"A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade [...]."
Com cerca de 35 mil palavras, pode-se contar 404 vezes a expressão "verdade", num percentual superior a 1% do total de palavras do texto.
É assim que os representantes situados em altos postos da Igreja Católica reagem para defender suas idéias – ora buscando a legitimidade no discurso de cientistas (quase sempre entre os integrantes de suas hostes, como se viu na audiência pública no STF, em que a maioria dos cientistas a favor da vida foram recrutados entre católicos) para defender seus pontos de vista, ora recusando as afirmações científicas – sem jamais abdicar da intransigência antimoderna que demonstra intolerância intelectual e recusa ao espírito crítico e à diversidade de opiniões.
Vamos debater então...
Cada um que de sua opinião aqui nos comentarios e vamo s ver o que é que a maioria pensa sobre esse assunto!
Comentem!!!!!
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Um comentário:
Sou TOTALMENTE CONTRA o aborto...
Pra mim naum tem discussão!
Bjuss
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